sexta-feira, 2 de março de 2012
Oscar 2012 - Premiação de "O Artista" marca momento histórico do cinema
05:55 | Postado por
São Paulo |
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No último domingo, 26 de fevereiro, o mundo acompanhou a 84ª edição do Oscar. Muito provavelmente a discussão entre os acadêmicos girava em torno da seguinte questão: vamos premiar uma produção americana que remonta aos primórdios do cinema, enaltecendo a figura de um personagem francês (Georges Méliès), ou devemos entregar a estatueta a um filme francês que transporta o espectador à era silenciosa (o filme é mudo e em preto-e-branco), mas glorificando toda a indústria americana? A Academia ficou com a segunda opção e premiou como o melhor filme do ano aquele que já vinha sendo apontado como o grande favorito, "O Artista", de Michel Hazanavicius, deixando para o concorrente "A Invenção de Hugo Cabret", de Martin Scorsese, apenas os prêmios técnicos.
Pouca gente se dá conta - aqui entre nós, meros mortais -, mas é possível apostar que os votantes da Academia sigam um raciocínio bem lógico. Pois é fato que alguns detalhes e dados estatísticos são sempre e absolutamente sugestionáveis, e porque eles se tornam históricos. Nesse sentido, premiar "O Artista" significava entregar o Oscar a um filme mudo depois de 83 anos. Aliás, isso ocorre somente pela segunda vez - "Asas", dirigido em 1927 por William A. Wellman, foi o primeiro e justamente na primeira edição do Oscar, em 1929. Naquele momento, exatamente como é mostrado em "O Artista", a indústria de cinema em Hollywood já preparava sua transformação definitiva para os filmes falados.
E como explicar que "A Invenção de Hugo Cabret", assinado por um dos diretores mais respeitados do cinema americano, Martin Scorsese, tenha sido esnobado? Como não louvar uma produção genuinamente americana, dentro de uma Academia criada exatamente para premiar o melhor da indústria americana? Como ignorar um filme cujo orçamento beirou a casa dos U$ 200 milhões, cifra esta que somente Hollywood tem cacife de investir? Ou então, porque motivo não celebrar uma obra que ousou na utilização dos mais modernos recursos do 3D e da captura digital?
Pensando de forma lógica e pragmática, as respostas são bem simples. Antes de tudo, Martin Scorsese não foi esnobado. Só não foi a vez dele. E é bom se lembrar que o cineasta amargou 26 anos e cinco indicações antes de ser premiado por "Os Infiltrados". É tanto quanto uma Meryl Streep, que depois de receber o Oscar por "A Escolha de Sofia", em 1983, só agora é premiada por "A Dama de Ferro". Fazendo as contas, são 29 anos e 12 indicações de espera. Mas levando-se em conta o fator "vamos escrever um capítulo na História", a escolha de "O Artista" indica o primeiro prêmio da Academia a uma produção que não seja de língua inglesa. Ok, antes que alguém se lembre que o filme é mudo, o que conta mesmo é que "O Artista" é uma produção francesa. E isso jamais aconteceu antes.
Um orçamento de US$ 100 milhões ou 200 milhões de dólares é "peanuts". Cifras com tantos zeros são uma constante em Hollywood. Proeza mesmo é realizar um filme como "O Artista", com míseros US$ 12 milhões, tamanho requinte dramatúrgico, qualidade técnica e esmero estético. E mesmo assim, ou por causa disso, encantar uma considerável parcela dos espectadores do mundo, além de contagiar os mais de seis mil membros da Academia.
Mas e toda a tecnologia de "A Invenção de Hugo Cabret"? Sim, é verdade que esta é a primeira produção de Scorsese filmada em 3D (realmente espetacular) e que foram utilizadas nas filmagens o que existe de mais moderno em câmeras digitais, um recurso que já é considerado uma revolução dos tempos, toma conta da indústria cinematográfica mundial e sinaliza de uma vez por todas o fim da película. Aliás, vamos lembrar que a gigante Kodak, há quase um século fabricando negativos em 35 milímetros, está fechando suas portas. E aqui está o fator mais importante de todos. "O Artista" foi rodado totalmente em 35 mm, possivelmente uma prática que irá se tornar tão rara quanto fazer um filme mudo.
Daqui algumas décadas, quando nos lembrarmos que acompanhamos a Academia oferecendo suas cobiçadas estatuetas do Oscar a um filme francês, mudo, preto-e-branco e rodado em película, teremos a certeza de que presenciamos um momento histórico na antologia do cinema. PS: Mais uma vez o Brasil volta para casa sem nenhuma estatueta. A última vez em que estivemos lá foi em 2004, quando o país era representado pelo filme "Cidade de Deus", indicado em quatro categorias - incluindo melhor diretor, para Fernando Meirelles. Dessa vez o Brasil concorria na categoria de melhor canção, "Real in Rio", de Sérgio Mendes, Carlinhos Brown e Siedah Garrett, faixa da trilha sonora da animação "Rio". O filme, belo e com excelente qualidade técnica (ainda que com todos os clichês e estereótipos do país), foi dirigido pelo brasileiro Carlos Saldanha.
Para mim era óbvio que a canção perderia o Oscar. Perdeu para "Man or Muppet", de "Os Muppets", que não era a melhor do filme, mas era muito superior à canção "Real in Rio". Elimine a letra (aliás, o título em inglês era completamente desnecessário.... poderia apenas se chamar "Rio" e todo mundo entenderia, inclusive os americanos) e o que sobra é tão somente mais uma batucada tradicional que lembra todo e qualquer samba-enredo que você já tenha ouvido na vida. Mas a música foi composta por Sérgio Mendes e Carlinhos Brown. Como são brasileiros, então surge aquele fenômeno comum aos países latino-americanos, cujas pessoas são frequentemente mais emotivas e menos racionais.
E como se fosse a seleção brasileira de futebol, muita gente começou a torcer simplesmente porque tínhamos o Brasil concorrendo ao Oscar. Muita gente me escreveu depois da minha participação na rádio CBN, onde sou comentarista de cinema, para dizer: "poxa, Petru, tudo bem que você não gostou da música do Carlinhos Brown... mas é Brasil. Você não ficou na torcida?" Teve que comentasse o seguinte: "... a gente torce pelo Brasil mesmo quando a seleção brasileira joga mal..." Aí é que está. Sinto muito em dizer, mas é por isso que minha função se chama crítico de cinema. E não torcedor de cinema.
Pouca gente se dá conta - aqui entre nós, meros mortais -, mas é possível apostar que os votantes da Academia sigam um raciocínio bem lógico. Pois é fato que alguns detalhes e dados estatísticos são sempre e absolutamente sugestionáveis, e porque eles se tornam históricos. Nesse sentido, premiar "O Artista" significava entregar o Oscar a um filme mudo depois de 83 anos. Aliás, isso ocorre somente pela segunda vez - "Asas", dirigido em 1927 por William A. Wellman, foi o primeiro e justamente na primeira edição do Oscar, em 1929. Naquele momento, exatamente como é mostrado em "O Artista", a indústria de cinema em Hollywood já preparava sua transformação definitiva para os filmes falados.
E como explicar que "A Invenção de Hugo Cabret", assinado por um dos diretores mais respeitados do cinema americano, Martin Scorsese, tenha sido esnobado? Como não louvar uma produção genuinamente americana, dentro de uma Academia criada exatamente para premiar o melhor da indústria americana? Como ignorar um filme cujo orçamento beirou a casa dos U$ 200 milhões, cifra esta que somente Hollywood tem cacife de investir? Ou então, porque motivo não celebrar uma obra que ousou na utilização dos mais modernos recursos do 3D e da captura digital?
Pensando de forma lógica e pragmática, as respostas são bem simples. Antes de tudo, Martin Scorsese não foi esnobado. Só não foi a vez dele. E é bom se lembrar que o cineasta amargou 26 anos e cinco indicações antes de ser premiado por "Os Infiltrados". É tanto quanto uma Meryl Streep, que depois de receber o Oscar por "A Escolha de Sofia", em 1983, só agora é premiada por "A Dama de Ferro". Fazendo as contas, são 29 anos e 12 indicações de espera. Mas levando-se em conta o fator "vamos escrever um capítulo na História", a escolha de "O Artista" indica o primeiro prêmio da Academia a uma produção que não seja de língua inglesa. Ok, antes que alguém se lembre que o filme é mudo, o que conta mesmo é que "O Artista" é uma produção francesa. E isso jamais aconteceu antes.
Um orçamento de US$ 100 milhões ou 200 milhões de dólares é "peanuts". Cifras com tantos zeros são uma constante em Hollywood. Proeza mesmo é realizar um filme como "O Artista", com míseros US$ 12 milhões, tamanho requinte dramatúrgico, qualidade técnica e esmero estético. E mesmo assim, ou por causa disso, encantar uma considerável parcela dos espectadores do mundo, além de contagiar os mais de seis mil membros da Academia.
Mas e toda a tecnologia de "A Invenção de Hugo Cabret"? Sim, é verdade que esta é a primeira produção de Scorsese filmada em 3D (realmente espetacular) e que foram utilizadas nas filmagens o que existe de mais moderno em câmeras digitais, um recurso que já é considerado uma revolução dos tempos, toma conta da indústria cinematográfica mundial e sinaliza de uma vez por todas o fim da película. Aliás, vamos lembrar que a gigante Kodak, há quase um século fabricando negativos em 35 milímetros, está fechando suas portas. E aqui está o fator mais importante de todos. "O Artista" foi rodado totalmente em 35 mm, possivelmente uma prática que irá se tornar tão rara quanto fazer um filme mudo.
Daqui algumas décadas, quando nos lembrarmos que acompanhamos a Academia oferecendo suas cobiçadas estatuetas do Oscar a um filme francês, mudo, preto-e-branco e rodado em película, teremos a certeza de que presenciamos um momento histórico na antologia do cinema. PS: Mais uma vez o Brasil volta para casa sem nenhuma estatueta. A última vez em que estivemos lá foi em 2004, quando o país era representado pelo filme "Cidade de Deus", indicado em quatro categorias - incluindo melhor diretor, para Fernando Meirelles. Dessa vez o Brasil concorria na categoria de melhor canção, "Real in Rio", de Sérgio Mendes, Carlinhos Brown e Siedah Garrett, faixa da trilha sonora da animação "Rio". O filme, belo e com excelente qualidade técnica (ainda que com todos os clichês e estereótipos do país), foi dirigido pelo brasileiro Carlos Saldanha.
Para mim era óbvio que a canção perderia o Oscar. Perdeu para "Man or Muppet", de "Os Muppets", que não era a melhor do filme, mas era muito superior à canção "Real in Rio". Elimine a letra (aliás, o título em inglês era completamente desnecessário.... poderia apenas se chamar "Rio" e todo mundo entenderia, inclusive os americanos) e o que sobra é tão somente mais uma batucada tradicional que lembra todo e qualquer samba-enredo que você já tenha ouvido na vida. Mas a música foi composta por Sérgio Mendes e Carlinhos Brown. Como são brasileiros, então surge aquele fenômeno comum aos países latino-americanos, cujas pessoas são frequentemente mais emotivas e menos racionais.
E como se fosse a seleção brasileira de futebol, muita gente começou a torcer simplesmente porque tínhamos o Brasil concorrendo ao Oscar. Muita gente me escreveu depois da minha participação na rádio CBN, onde sou comentarista de cinema, para dizer: "poxa, Petru, tudo bem que você não gostou da música do Carlinhos Brown... mas é Brasil. Você não ficou na torcida?" Teve que comentasse o seguinte: "... a gente torce pelo Brasil mesmo quando a seleção brasileira joga mal..." Aí é que está. Sinto muito em dizer, mas é por isso que minha função se chama crítico de cinema. E não torcedor de cinema.
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