sexta-feira, 21 de outubro de 2011

PostHeaderIcon Leon Cakoff

Para mim que sou cinéfilo, antes mesmo de ser crítico de cinema, posso garantir que outubro é o mês mais fascinante do ano na cidade. Isso porque começa hoje a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Eu quase começo este artigo dizendo que esta seria a Mostra mais triste da História. Não, nada disso! Leon Cakoff, o jornalista, crítico de cinema e criador da Mostra não merece que fiquemos tristes.

Leon Cakoff morreu em São Paulo numa sexta-feira como hoje, no último dia 14 outubro, às 13 horas, por conta de complicações decorrentes de um melanoma – câncer que atinge o tecido epitelial. Seu corpo foi cremado no Memorial Parque Paulista, no município de Embu das Artes (SP).

É imposssível que alguém não o conhecesse e nem era preciso gostar de cinema. Aquele baixinho gordinho, careca, sempre elegante usando ternos bem cortados e gravata vermelha, aparecia com frequência em jornais, revista e na TV, em especial na Cultura exibindo o Mostra Internacional de Cinema na Cultura - programa que levava ao público os filmes que Leon costumava passar na Mostra.

Um dos maiores nomes da resistência cultural no Brasil durante a ditadura, Leon Cakoff nasceu Leon Chadarevian em Alepo, na Síria, em 12 de junho de 1948. Veio para o Brasil com a família aos oito anos de idade e formou-se pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Por problemas com o regime militar, adotou o pseudônimo Cakoff, que nunca mais abandonou. Ele começou a carreira em 1969 como jornalista e depois crítico de cinema nos Diários Associados. A partir de 1974, dirigiu o Departamento de Cinema do Museu de Arte de São Paulo (Masp) e iniciou a programação de mostras e ciclos no museu.

Em 1977, para comemorar os 30 anos do Masp, Leon criou a 1ª Mostra Internacional de Cinema, com 16 longas e 7 curtas brasileiros e internacionais. Já na primeira edição do evento foi criada aquela que se tornaria a principal marca do festival, o prêmio com o voto do público, dado para "Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia", de Hector Babenco, o que fez da Mostra o único lugar onde se podia votar no país. Naquela época, Leon travou uma luta ferrenha contra a censura imposta pelo regime militar, trazendo filmes até por meio de malas diplomáticas de embaixadas e consulados. Foi assim que a Mostra exibiu filmes inéditos vindos da China, Cuba, União Soviética, França e dos mais distantes países.

A partir de 1984, Leon desligou-se do Masp e carregou consigo o evento. A 8ª Mostra foi marcada por alguns dos maiores embates contra a censura. É o ano da histórica sessão de "O Estado das Coisas", de Wim Wenders, no Cine Metrópole, ao fim da qual ele subiu ao palco para anunciar a ordem federal de fechamento do cinema e interrupção do festival. O fato repercutiu em diversos jornais no exterior. Leon conseguiu retomar as projeções quatro dias depois.

Certamente a característica mais importante da mostra é que o público passou a ter acesso a produções que jamais tiveram penetração no mercado brasileiro. Por causa do trabalho incansável de Cakoff, filmes do Irã, Turquia, Finlândia, China, Coreia, Israel entre tantos outros países tornaram-se cada vez mais comuns em nossas telas.

Leon Cakoff no programa "Provocações", da TV Cultura (bloco 1)


Grandes cineastas

Ao longo dos 35 anos de Mostra, Leon introduziu no Brasil o cinema de grandes autores que de outra forma não teriam chegado ao público nacional. Todos esses diretores tornaram-se também seus amigos pessoais. É o caso do português Manoel de Oliveira, o cineasta mais velho do mundo em atividade, de quem a Mostra apresentou regularmente os filmes a partir de "Amor de Perdição" (1979, na 3ª Mostra); o iraniano Abbas Kiarostami, diretor de "Gosto de Cereja" e "Cópia Fiel"; e o israelense Amos Gitai, diretor de "Kadosh - Laços Sagrados" e "Alila". Todos vieram inúmeras vezes a São Paulo como convidados ou membros do Júri internacional da Mostra.

Outros grandes diretores que passaram pela Mostra foram o americano Quentin Tarantino com seu primeiro filme, "Cães de Aluguel" (1992, 16ª Mostra); o espanhol Pedro Almodóvar, que abriu a 19ª Mostra em 1995 com "A Flor do Meu Segredo"; o americano Dennis Hopper, que veio a São Paulo em 1984 apresentar "O Último Filme"; o alemão Wim Wenders, que veio a São Paulo na 32ª e na 34ª Mostra; o diretor de fotografia mexicano Gabriel Figueroa, que trabalhou com John Huston e Luis Buñuel, convidado da 19ª Mostra em 1995; o iraniano Jafar Panahi, hoje mantido em prisão domiciliar pelo governo do Irã; o sérvio Emir Kusturica; e o finlandês Aki Kaurismäki, entre tantos outros.

Leon Cakoff no programa "Provocações", da TV Cultura (bloco 2)


Produtor, diretor e escritor

Leon Cakoff também foi o produtor de importantes projetos que reuniram grandes diretores. Em 2004, ele organizou e lançou na 28ª Mostra o filme "Bem-Vindo a São Paulo", reunião de curtas sobre a cidade dirigidos por 12 cineastas, entre eles Caetano Veloso, Phillip Noyce, Maria de Medeiros, Daniela Thomas, Amos Gitai e Ming-liang Tsai. Foi também produtor e um dos diretores de "Invisíveis" (segmento "O Mestre Invisível"), filme inédito que terá exibição na 35ª Mostra. Leon dirigiu ainda os curtas "Volte sempre, Abbas!", "Natureza-Morta" (2004), ambos em parceria com Renata de Almeida, o segmento "Esperando Abbas" que faz parte do longa "Bem-Vindo a São Paulo" e "Manoel De Oliveira Absoluto".

Ele escreveu os livros "Gabriel Figueroa – O Mestre do Olhar", grande entrevista com o mexicano; "Ainda Temos Tempo", com crônicas de viagem ligadas a cinema; "Cinema Sem Fim", com a história dos 30 anos da Mostra; e "Manoel de Oliveira", uma grande entrevista sua com o cineasta português.

Leon Cakoff no programa "Provocações", da TV Cultura (bloco 3)


Distribuidor e exibidor

Além de programador e produtor, Leon também atuou nas outras pontas do mercado cinematográfico. Em 2000, junto com Adhemar Oliveira, Patrícia Durães e Renata de Almeida para formar a distribuidora Mais Filmes, especializada em filmes de autor. Nos últimos anos, mantinha, com Renata de Almeida, a Filmes da Mostra, que lança filmes em cinema e coleções em DVD, em parceria com a Livraria Cultura. Com Adhemar, ele era sócio desde 2001 do Unibanco Arteplex, primeiro cinema do Brasil a usar o conceito de multiplex para incluir filmes de arte da programação.

Leon foi casado durante 22 anos com Renata de Almeida, atual diretora da Mostra. Ela dirige a Mostra a seu lado desde a 13ª edição do evento, em 1989. Deixa dois filhos com ela, Jonas e Thiago, além de dois filhos anteriores do primeiro casamento, Pedro e Laura.

Leon Cakoff morreu. E como disse lá em cima, ele não merece que simplesmente fiquemos tristes. Leon deve ser sempre lembrado pelo legado que nos deixou, sobretudo por esse evento maravilhoso como é a Mostra, que há 35 anos tem um significado todo especial para a cidade de São Paulo.

(Mas Leon, desculpe meu amigo, você faz uma enorme falta entre nós!!!!).
Marcos Petrucelli ao lado de Leon Cakoff na inauguração do Unibanco Arteplex do Shopping Bourbon Pompeia (SP)