sexta-feira, 16 de setembro de 2011

PostHeaderIcon 180º e A Serbian Film - Terror Sem Limites

É realmente uma alegria e uma honra poder fazer parte do grupo de articulistas do blog "São Paulo de Cristal", que faz hoje a sua estreia. Corajosa para todos nós, diga-se, quando sabemos que atualmente a gigante teia da internet reúne centenas de milhares de sites e blogs, discutindo e informando todo tipo de assunto. Portanto, e para que façamos algo que tenha um diferencial, no espaço que tenho aqui todas as sextas-feiras não quero simplesmente indicar os filmes que chegam às nossas salas de exibição. Como costumo fazer na rádio CBN, onde sou o comentarista de cinema, pretendo sim dar uma opinião absolutamente pessoal, mas tentando levantar questões a respeito das produções de modo que os nossos próprios leitores façam seu julgamento e decidam se vale a pena assistir a determinado filme.

Em toda a minha carreira, sempre levei em consideração que a análise de um filme por um crítico está menos relacionada ao seu (suposto) conhecimento da técnica e muito mais aos seus gostos e estilos pessoais. No meu caso, foram incontáveis as vezes em que não me interessei por um filme da primeira vez que eu vi. Mas, algum tempo depois e numa segunda oportunidade, comecei a descobrir coisas que antes não havia me dado conta. O contrário também é verdadeiro, claro.
De qualquer forma, felizmente o cinema nos permite isso: revisitar uma obra e fazer novas descobertas. E, dentro do possível, é justamente isso que pretendo fazer na companhia de todos os leitores do "São Paulo de Cristal". Boa sessão.


180º
(180º, Brasil, 2010)
Gênero: Drama
Duração: 90 min.
Tipo: Longa-metragem / Colorido
Classificação: 14 anos

Diretor: Eduardo Vaisman
Roteirista: Cláudia Mattos
Elenco: Eduardo Moscovis, Malu Galli, Felipe Abib



A história de Anna, Russell e Bernardo, três pessoas da classe média urbana carioca. Eles apostam tudo o que têm num arriscado jogo de paixões cuja relação se intensifica com um caso de plágio que coloca em dúvida a autoria de um livro de sucesso. Sua narrativa não-linear convida o espectador a montar um intrincado quebra-cabeças, cuja solução está tanto no presente quanto no passado de cada um dos personagens.

Assisti a esse filme no Festival de Gramado em 2010 e fiquei bastante surpreso. O roteiro, escrito por Claudia Mattos, apresenta uma daquelas tramas que vai nos envolvendo pouco a pouco. É verdade que se faz necessário muita atenção em todos os detalhes. Afinal, os elementos e seus personagens são apresentados num quebra-cabeças que definitivamente pode confundir o espectador mais desavisado. A narrativa, com um quê tarantinesco, é circular e estruturada a partir de idas e vindas no tempo. Esse jogo torna-se mais interessante quando nos damos conta de que a história (afinal, muito bem escrita por Claudia Mattos e dirigida com destreza por Eduardo Vaisman) está na verdade nos desafiando ao plantar pistas: que podem ser verdadeiras ou falsas.






Boa parte delas - algumas não tão explicitamente - são cuidadosamente recuperadas ao longo da história. Mas já aviso que o final é supreendente e deixa aquela sensação de dúvida que tanto pode incomodar ou nos instigar a uma boa reunião com amigos para ficar divagando e elocubrando sobre o que de fato acabamos de assistir. E é isso o que representa um bom filme - aquele do qual não esquecemos minutos depois. Diante de uma avalanche de produções nacionais completamente descartáveis, "180º" nos proporciona felizmente alguma reflexão.


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A Serbian Film - Terror Sem Limites
(Srpski film, Sérvia, 2010)
Gênero: Drama, Suspense, Terror
Duração: 104 min.
Tipo: Longa-metragem / Colorido
Classificação: 18 anos

Diretor: Srdjan Spasojevic
Roteirista: Aleksandar Radivojevic, Srdjan Spasojevic
Elenco: Srdjan Todorovic, Sergej Trifunovic, Jelena Gavrilovic, Katarina Zutic



Milos é um ator pornô que se afastou das câmeras para construir uma família. Enquanto passa graves dificuldades econômicas, lhe é oferecido um cachê milionário para atuar num filme pornográfico com intenções artísticas.

Todos já devem ter percebido: um filme da Sérvia, que tem pornografia (nada explícito) na trama e não é recomendável para menores de 18 anos de idade. Para aqueles que estão sempre dispostos a mergulhar numa produção vinda de um país estranho à nossa cultura, o fato de este filme ser da Sérvia já é o suficiente para nos provocar. Mas para quem ainda não ouviu falar de "A Serbian Film", trata-se de uma tentativa bizarra do diretor estreante Srdjan Spasojevic em abordar o esfacelamento social e moral da Sérvia, onde por anos o terror e a barbárie das guerras provocaram grandes transformações neste país do leste europeu.






Essa leitura mais séria do ponto de vista antropológico é até posível, sim, ainda que em nenhum momento o filme coloque o assunto realmente em pauta. O fato é que a produção ganhou contornos de cult na medida em que apresenta como personagem principal um ex-ator pornô contratado para atuar num filme no qual o estupro, a necrofilia, a pedofilia e o consumo de drogas não só estão descritos no roteiro; tudo isso terá de ser protagozinado por ele. E pior, e ele só vai descobrir tudo isso durante cada etapa das filmagens, a cada cena diária. É quando o suspense realmente se estabelece, pois acompanhamos a surpresa do personagem, além de sua crescente insanidade por se submeter a tudo aquilo.

O fato é que o filme foi considerado de muito mal gosto, escatológico, agressivo e principalmente pedófilo (numa das cenas mais chocantes - e também porcamente realizada do ponto de vista técnico - o personagem estupra um feto que acabou de nascer). Certamente essa é uma das passagens que aqui no Brasil acarretou num problema muito mais grave:
o filme foi judicialmente proibido quando iria participar de um festival no Rio de Janeiro, criando a possibilidade de abrir precedentes para a volta da censura. A decisão criou polêmica, o que aumentou a curiosidade em torno do filme. Não tenho dúvidas de que "A Serbian Film - Terror Sem Limites" provoca um completo estranhamento e repulsa. Mas censura não dá para engolir. É o público, sempre, quem deve fazer seu julgamento a partir de suas convicções éticas e morais.