sexta-feira, 2 de maio de 2014
Em Cartaz
10:31 | Postado por
São Paulo |
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Filmes de diretores estreantes, na maior parte das vezes, são sempre complicados. Não só pelo filme, mas sobretudo pelo cineasta. Ele tende a se considerar genial e que fez uma obra-prima. É o caso de Ruy Veridiano, que estreia na direção de longas com "O Mundo Deserto de Almas Negras". O filme foi exibido nesta terça, 29, durante a competição de longas de ficção do Cine-PE.
A sinopse oficial, que consta do catálogo do festival, é essa: "Em uma São Paulo ficcional, onde o centro rico é negro e a periferia é branca, Oscar, um jovem advogado da elite negra, aceita entregar celulares em um presídio para um membro da Fundação do Crime. Oscar é assaltado no trânsito, perde os celulares e se vê perseguido em uma trama complexa e numa fuga implacável, enquanto a Fundação do Crime ataca a cidade. Enquanto Oscar luta pela sua sobrevivência, a cidade de São Paulo se revela um Mundo Deserto."
A premissa é até interessante e eu realmente estava ansioso para ver como seria essa inversão de papéis na sociedade - ainda mais numa metrópole como São Paulo e justamente nesse momento em que muita gente levantou a bandeira de que "todos nós somos macacos". Pena que isso seja conversa fiada.
Basicamente, o que faltou ao diretor Ruy Veridiano e o que falta a muitos outros cineasstas supostamente engajados numa ideia/causa/tese é coragem. Se a ideia (e muito instigante) é mesmo mostrar os negros ocupando as classes dominantes, deixando os brancos na periferia - ou na base da pirâmide -, porque não fazê-lo de forma inteligente, o mais realista possível? Ou seja, porque não mostrar tudo de forma explícita, sem caricaturas?
Pois foi nessa armadilha que Ruy Veridiano, também o roteirista do filme, caiu como um pato. São Paulo não parece ser são Paulo. Há carros que não existem mais circulando na cidade. Os negros se vestem de forma tão cafona quanto os antigos bicheiros dos anos 1980 ou os atuais presidentes de escolas de samba. O prefeito da cidade, obviamente negro, é o estereótipo do babaca fabricado pelas agências de publicidade. E os brancos, retratados como vilões, são aqueles que realmente têm dinheiro, poder e força. E então, nesse sentido, os negros acabam sendo se não dominados, ao menos ameaçados pelos brancos. Não há inversão nenhuma, no final das contas.
Decidi participar do debate com a equipe do filme "O Mundo Deserto de Almas Negras". Em dado momento, uma jornalista perguntou sobre a trilha sonora, que inclui alguns clássicos da MPB como "Negro Gato", gravada por Roberto Carlos, e "BR-3", famosa na voz de Toni Tornado. A jornalista queria saber sobre as questões de direitos autorais, quais os valores pagos e o quanto desse investimento correspondia ao orçamento da produção. São questões muito relevantes, tendo em vista que, se o filme não tem os direitos de execução das músicas, muito provavelmente ele não conseguirá exibição nas salas de cinema comerciais.
Quem respondeu à pergunta foi o diretor Ruy Veridiano. Respondeu não é bem o caso... Ele contou que, ao entrar em contato com os responsáveis pelas músicas (no caso, ou autores ou as gravadoras),ele apenas foi honesto ao dizer que se tratava de uma produção idependente, feita com amor e o coração, e que aquelas canções tinham tudo a ver com o espírito do filme e precivam muito estar nele (no filme). Bom, até aqui, nada de muito surpreendente. Qual o cineasta que não faz seu filme com amor e o coração?
O que importa mesmo é que Ruy Veridiano não respondeu. E eu, que estava ali apenas como ouvinte - faço parte do júri e, via de regra, não poderia questionar os realizadores -, não me contive. Afinal, você pagou ou não pagou pelos direitos autorais? Quanto você pagou? E quanto isso corresponde ao orçamento do filme? O diretor então respondeu: disse que pagou, mas não sabia quanto... mas achava que isso deveria significar uns 20%... Mas 20% de quanto? E o diretor disse que eram 20% de R$ 500 mil ("acho que uns 500 mil reais", disse ele), que seria o custo da produção. Ao final, Ruy Veridiano, com todo seu coração e amor, revelou que nada disso importava. Porque o mais importante era ter feito o filme.
Cineastas, ainda mais estes de primeiro filme, adoram falar assim. E eu, para encerrar, disse a ele: Quando e se o seu filme conseguir um distribuidor você certamente vai começar a se preocupar com outras coisas, sobretudo as orçamentárias.
É triste, decepcionante, mas é assim que funciona. Portanto, parabéns ao novíssimo cinema brasileiro, aos novos cineastas desse Brasil, que além de fazerem filmes pouco ou nada inteligentes, ainda não conhecem absolutamente nada do negócio chamado cinema.
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Marcos Petrucelli