sexta-feira, 22 de novembro de 2013
"Syd Who?"
06:11 | Postado por
São Paulo |
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Em 2004 eu estava em Los Angeles, cobrindo o Oscar pela quarta vez. "Cidade de Deus", de Fernando Meirelles, concorreu em quatro categorias: Fotografia (César Charlone), Diretor (Meirelles), Montagem (Daniel Rezende) e Roteiro Adaptado (Bráulio Mantovani). Uma pena que o filme não tenha recebido indicação para o Oscar de filme estrangeiro, pois teria sido ainda mais atraente o debate entre os concorrentes na categoria, que acontece na sede da Academia um dia antes da premiação. Seja como for, os candidatos daquele ano foram incríveis: "Irmãs Gêmeas" (Tweeling, De) [Holanda], "Evil - Raízes do Mal" (Ondskan) [Suécia], "Zelary" (Zelary) [República Tcheca], "O Samurai do Entardecer" (Tasogare Seibei) [Japão] e o vitorioso daquele ano, "As Invasões Bárbaras" (Les Invasions barbares) [Canadá].
Mas a história é a seguinte: logo depois do debate, tive a chance de conversar rapidamente com alguns dos diretores dos filmes indicados, além de ter batido um papo um pouco mais longo com o produtor Mark Johnson, há anos o cara que está à frente da comissão da Academia que escolhe os finalistas na categoria de filme estrangeiro. Já havia me encontrado em anos anteriores com Mark Johnson - a primeira vez em 1999, quando "Central do Brasil" foi um dos indicados. Mas em 2004 pude falar um pouco mais com esse famoso produtor, que ganhou o Oscar por "Rain Man" (1988) e foi indicado por "Bugsy" (1991).
Em nossa conversa falamos das chances de "Cidade de Deus". Ainda que fossem remotas, Johnson julgava que o filme brasileiro era um bom candidado em montagem e roteiro. Já não me lembro exatamente como surgiu a conversa, mas disse a ele que no Brasil havia muita gente que simplesmente idolatrava um camarada chamado Syd Field, considerado um guru na arte de escrever roteiros. Quis saber o que Johnson achava. Ele olhou bem pra mim e peguntou: "Syd who?"
Lembrei dessa história porque Syd Field morreu nesta semana. Há mutos anos, desde que comecei minha carreira como crítico de cinema, sempre ouvi falar de Syd Field. Li um de seus livros mais conhecidos (pelo menos aqui no Brasil), "Roteiro - Os Fundamentos do Roteirismo", publicado em 1979. Na biografia de Syd Field, consta que ele foi responsável pela criação de uma estrutura de roteiro padrão no cinema de Hollywood, intitulada paradigma do roteiro. Em resumo, sua teoria explica que um filme deve ter o roteiro dividido em três atos: apresentação, confrontação e resolução. Trocando em miúdos: começo, meio e fim.
De certa forma fiquei aliviado em descobrir que Mark Johnson não conhecia Syd Field. Porque eu sempre desconfiei de Syd Field. Ok, seu texto era mesmo interessante, tinha clareza e fazia todo o sentido. Mas sua teoria não era uma novidade. O que ele fez foi codificar a estrutura do roteiro, elaborando uma tese baseada em muitos filmes que já faziam exatamente o que ele viria a teorizar. O cineasta Cameron Crowe, por exemplo, escreveu um livro chamado "Conversations with Wilder". Como anuncia o título, trata-se de uma conversa com o genial Billy Wilder - que aqui aceitou, pela primeira vez na vida, falar sobre sua carreira e seu método de fazer filmes.
Em dado momento do livro, Wilder descreve seus dez mandamentos para escrever um bom roteiro. Mandamentos que ele, a partir de muito observar outros grandes cineastas e sobretudo ele mesmo realizando inúmeros clássicos, sempre colocou em prática. Quais clássicos? "Pacto de Sangue", "Crepúsculo dos Deuses", "Quanto Mais Quente Melhor", "Testemunha de Acusação", "O Pecado Mora ao Lado".... Tá bom, né? Lembremos que são filmes feitos ente os anos de 1940 e 1950.
Então, aqui vão os dez mandamentos de Billy Wilder:
1. O público é volúvel.
2. Agarre-os pelo pescoço e nunca os deixe ir embora.
3. Desenvolva uma linha clara de ação para o seu personagem principal.
4. Saiba aonde você está indo.
5. Quanto mais sutil e elegante você for em esconder seus pontos de virada, melhor você é como escritor.
6. Se você tiver um problema com o terceiro ato, o verdadeiro problema está no primeiro ato.
7. Uma dica de Lubitsch: Deixe o público somar dois mais dois. Eles vão te amar para sempre.
8. Ao fazer voice-overs, tome cuidado para não descrever o que o público já vê. Acrescente ao que eles estão vendo.
9. O evento que ocorre na cortina do segundo ato desencadeia o final do filme.
10. O terceiro ato deve progredir, progredir, progredir em ritmo e ação até o último evento, e então – é isso. Não divagueie.
Ou seja, Syd Field não inventou a roda.
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Marcos Petrucelli